A primeira refere-se aos peixes de piracema ou migradores, que realizam longas migrações ascendentes para a cabeceira dos rios para a desova, de novembro a fevereiro e retornam posteriormente para a planície de inundação, onde se alimentam e se recuperam do desgaste energético da viagem e acumulam reservas para o próximo período reprodutivo. O segundo grupo é composto pelos desovadores de planície que realizam pequenas movimentações transversais, saindo da planície de inundação e entrando para o canal principal do rio para se reproduzir, na época das enchentes. O terceiro e quarto grupos são constituídos por espécies residentes que se reproduzem na seca ou na enchente/cheia na própria planície de inundação. A maioria das espécies de peixes do Pantanal enquadra-se na categoria de espécies residentes que se reproduzem na seca ou na enchente. Como as espécies residentes resolvem as restrições ao sucesso reprodutivo como a predação na seca e as condições deficientes de oxigênio na enchente/cheia? Dessas espécies residentes, cerca de um quarto apresenta cuidados parentais para proteção da prole e pertence às famílias Erythrinidae (traíras), Serrasalminae (piranhas), Gymnotidae (turviras), Callichthyidae (camboatás), Loricariidae (cascudos, rapa-canoas..) e Cichlidae (carás, joana-guensa,..).
No caso da traíra, Hoplias malabaricus, foram observados adultos cuidando dos ovos depositados em escavações em áreas rasas durante a enchente. Para as espécies de piranhas dos gêneros Serrasalmus e Pygocentrus, a literatura cita que os pais cuidam dos ovos que são depositados nas raízes das macrófitas durante a cheia. No caso das tuviras como Gymnotus inequilabiatus, a reprodução ocorre na cheia e o macho cuida dos ovos e da prole recém eclodida.
Entre os camboatás, são conhecidas espécies que fazem ninhos de espuma, onde depositam os ovos e exercem vigilância sobre os mesmos, geralmente no período da enchente. Na família Loricariidae, foi observado que os machos de Loricariichthys platymetopon (rapa-canoa) carregam os ovos em uma expansão da porção do lábio superior. Mesmo após a eclosão, os jovens permanecem aglomerados nessa expansão por algum tempo. O cascudo preto, Liposarcus anisitsi, reproduz-se na cheia. O macho escava buracos/tocas no fundo ou na barranca do rio onde os ovos são colocados e cuidados até a eclosão. Alguns barrancos do rio Paraguai, nas proximidades de Corumbá, mostram muitos buracos/tocas, visíveis na seca, possivelmente escavados pelos cascudos. Cascudos escavando o fundo e os laterais de um aterro foram observados no baixo rio Miranda, onde a água apresentava uma boa visibilidade. A cheia é um período em que o oxigênio dissolvido está baixo em decorrência da decomposição da vegetação alagada. Possivelmente, como Liposarcus possui respiração aérea acessória, os machos tomam o ar atmosférico e liberam o ar nas câmaras de incubação, garantindo o oxigênio necessário a essa fase de desenvolvimento. Tanto em G. inequilabiatus como em L. anisitsi, os machos não mostram um grande crescimento dos testículos como é observado na maioria das espécies. Estará isso associado ao fato de cuidarem da prole ou mesmo ao tipo de fertilização que efetuam?
Os Cichidae, popularmente conhecidos como carás ou acarás, reproduzem-se na seca, onde geralmente os machos cuidam dos ovos depositados em ninhos ou mesmo após a eclosão, colocando os juvenis na cavidade bucal por ocasião de uma possível predação. Muitas dessas espécies depositam ovos mais de uma vez durante um ciclo reprodutivo.
Para as espécies residentes, sem cuidados parentais, como a corvina, Plagioscion ternetzi, as estratégias reprodutivas para serem bem sucedidas são desconhecidas. A literatura cita que a reprodução é evitada no período seco quando há a concentração dos peixes nos ambientes aquáticos mais reduzidos e a predação é inevitável mesmo que a disponibilidade de alimento seja elevada. Um fator a favor são as altas temperaturas do período que favorecem o desenvolvimento e eclosão rápida dos ovos (para muitas espécies, ao redor de 24h) o que poderia reduzir a predação para as espécies residentes que se reproduzem nesse período. Na enchente/cheia, as condições da qualidade de água podem não ser as melhores, mas a possibilidade de predação seria mais reduzida, período que deve ter sido adotada por muitas espécies residentes de pequeno porte para reprodução.
A maior parte das espécies pertencentes à categoria de migradores de longa distância é composta por espécies de médio a grande porte como a pacu-peva, Mylossoma orbygnianum, os armaos, Oxydoras kneri e Pterodoras granulosus, o pacu, Piaractus mesopotamicus, o dourado, Salminus maxillosus e o pintado, Pseudoplatystoma corruscans, dentre outras. Reproduzem-se nos trechos superiores dos rios no período das chuvas, geralmente de novembro a fevereiro.
Os migradores de curta distância realizam pequenos movimentos entre a planície de inundação (baías, lagos, corixos,..) e a sua conexão com o rio entre o final do período da seca e o início da enchente. Muitas espécies ficam aglomeradas nas “bocas” de baías ou corixos aguardando as chuvas ou o início da enchente para se reproduzir, ou realizam migrações ascendentes de curta distância para se reproduzir em águas turvas e bem oxigenadas do canal do rio. A esta categoria pertencem algumas espécies de pacu-peva como Metynnis maculatus, Metynnis mola, Myloplus levis, os pequenos lambaris dos gêneros Astyanax e Moehkhausia e algumas espécies da família Anostomidae como os piaus, Leporinus lacustris e Leporinus striatus.
O sairu-boi, Potamorhina squamoralevis é muito interessante, pois parte da população realiza curtas migrações das baías e corixos até a boca do canal principal para se reproduzir e parte da população migra até próximo aos trechos superiores desses mesmos rios para se reproduzir. Seria ela uma espécie que está em transição entre migradora de curta para de longa distância? Enfim, são muitas as estratégias reprodutivas de peixes de ambientes inundáveis, estratégias essas que propiciam diferentes formas de aproveitamentos dos habitats disponíveis ao longo de um ciclo hidrológico ou pulso de inundação.
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