terça-feira, 29 de junho de 2010

Renda sobe e consumo familiar muda


O forte aumento de renda nos últimos anos provocou mudanças significativas nos hábitos de consumo dos brasileiros. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE de 2008 e 2009 mostra que, na comparação com o levantamento de 2002 e 2003, caiu o peso das despesas com alimentação, ao passo que subiram os gastos com transporte, assistência à saúde e habitação. Ao mesmo tempo, sobrou mais espaço para a compra de ativos como imóveis, terrenos e títulos de capitalização e para a redução de dívidas - ou seja, o brasileiro está poupando mais.

O retrato da pesquisa, porém, deixa claro que nem tudo são flores: 35,5% das famílias declararam não ter alimentos em quantidade suficiente para chegar ao fim do mês - percentual alto, ainda que menor que os 47% de 2002/2003.

Em 2008/2009, a participação das despesas com alimentação na cesta de consumo ficou em 19,8%, abaixo dos 20,8% de 2002/2003. O economista-chefe do Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, diz que esse é um bom sinal, porque o peso dos gastos com alimentação diminui em países que se tornam menos pobres. Na zona urbana, a participação dos gastos com alimentação fora do domicílio no total de gastos com alimentos atingiu um terço (33,1%), bem mais que os 25,1% de 2002/2003. Essa mudança reflete o aumento da renda dos últimos anos, mas também o fato de cada vez mais pessoas trabalharem fora de casa, diz Neri.

A fatia das despesas com assistência à saúde também cresceu, passando de 6,5% em 2002/2003 para 7,2% em 2008/2009. É outro sintoma da expansão dos rendimentos do brasileiro, embora o envelhecimento da população também tenha algum peso aí, acredita Neri.
Chama a atenção também o crescimento dos gastos com transportes, que pularam de 18,4% para 19,6% no período. A febre pela compra de veículos dos últimos anos, com financiamentos a prazos muito longos, ajuda a explicar o fenômeno.

Neri destaca o fato de os números da pesquisa revelarem um aumento da poupança. O aumento de ativos passou a responder por 5,8% das despesas do brasileiro, 1 ponto percentual acima do observado em 2002/2003. As despesas destinadas ao pagamento de dívidas tiveram um ligeiro crescimento, de 2% para 2,1%. "Isso mostra que o brasileiro está mais previdente, o que também se evidencia pelo aumento dos gastos com assistência à saúde."

Para ele, um ponto importante é que a pesquisa, que visitou cerca de 60 mil domicílios, confirmou o cenário de forte expansão da renda e redução da desigualdade captado nos levantamentos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que são menos detalhados. Segundo Neri, a POF mostrou que a renda domiciliar total cresceu 10,8% entre 2002/2003 e 2008/2009, mas avançou 21,54% quando se considera a renda per capita - um número muito próximo aos 21,66% apontados pela PNAD entre 2002 e 2008.

Outro ponto positivo é que a pesquisa também confirmou uma redução significativa da desigualdade. Segundo cálculos de Neri, o crescimento da renda dos 10% mais pobres foi de 42,2% entre as duas pesquisas, ritmo mais de três vezes superior à alta de 13,3% do rendimento dos 10% mais ricos.

Apesar das melhoras exibidas na pesquisa, ainda há um terreno grande a ser percorrido. Em 2008/2009, por exemplo, três quartos das famílias ainda informaram algum grau de dificuldade para chegar até o fim do mês com o rendimento que recebiam. Um percentual elevado, embora inferior aos 85% da pesquisa anterior.

A POF revela que as famílias gastam, em média, R$ 2.626,31 por mês. No Sudeste, o número é de R$ 3.135,80, quase o dobro dos R$ 1.700,26 do Nordeste.

O resultado da POF vai influenciar a forma como se mede a inflação no Brasil, como lembra o economista Fábio Ramos, da Quest Investimentos. A mudança na cesta de consumo será incorporada nas ponderações dos índices de preços. O destaque será o peso maior de serviços, que ganharam espaço.


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