Dentre os fatores que influenciam a eficiência reprodutiva, a taxa de ovulação apresenta um papel de destaque. Assim, ao longo da última década, o melhoramento genético tem se voltado ao desenvolvimento de fêmeas com taxas de ovulação cada vez maiores, originando as chamadas fêmeas hiperprolíficas ou de alta prolificidade. Entretanto, a intensa pressão de seleção para taxa de ovulação tem criado um desequilíbrio entre taxa de ovulação, o número de conceptos que sobrevivem ao período pós-implantação e capacidade uterina (Foxcroft et al., 2009). Na verdade, uma taxa de ovulação maior que o número de fetos que a fêmea suína seja capaz de levar ao término da gestação, aumenta a competição entre os fetos por nutrientes e oxigênio. Este fato acarreta o nascimento de leitões menores, mais leves e, consequentemente, mais fracos, sinais característicos do chamado crescimento intra-uterino retardado (CIUR) (Foxcroft et al., 2006). Estes animais, acometidos por uma deficiência nutricional ainda no útero, se adaptam a esta deficiência por meio de alterações fisiológicas e metabólicas no intuito de aumentar as chances de sobrevivência após o nascimento. No entanto, essas modificações, que ocorrem em nível de genoma, como alterações na metilação do DNA, podem permanecer ao longo da vida do animal, o que é chamado de programação pré-natal (Wu et al., 2004).
Diversos estudos têm mostrado que leitões mais leves ao nascimento apresentam um desenvolvimento pós-natal comprometido, bem como uma carne de pior qualidade (Gondret et al., 2006; Rehdfeldt & Kuhn, 2006). Assim, o peso ao nascimento está diretamente relacionado à qualidade do leitão que, por sua vez, está correlacionado à sua capacidade de sobrevivência e ao seu desempenho pós-natal. Portanto, o peso ao nascer é uma importante característica econômica para a suinocultura, visto que leitões que apresentam um peso baixo possuem menores taxas de sobrevivência, bem como piores taxas de crescimento (Quiniou et al., 2002). O fenótipo de um leitão recém-nascido é resultante de seu desenvolvimento embrionário e fetal. Este, por sua vez, é um processo bastante complexo e altamente integrado, pois depende do suprimento de nutrientes ao embrião/feto e de sua habilidade em utilizar os substratos disponíveis (Rehfeldt & Kuhn, 2006). Evidências sugerem que o crescimento pré-natal nos eutérios (mamíferos placentários) é sensível aos efeitos diretos e indiretos da nutrição materna em todos os estágios desde a maturação do oócito até o nascimento (Rehfeldt et al., 2004; Ferguson, 2005).
A nutrição materna controla o crescimento fetal diretamente por meio do fornecimento de glicose, amino ácidos e elementos essenciais para o concepto (Robinson et al., 1999). Na espécie suína, além da nutrição materna, a competição entre os fetos dentro do útero pelos nutrientes também afetaria o crescimento fetal, visto que já foi demonstrado que o peso ao nascer seria inversamente correlacionado ao tamanho da leitegada (Town et al., 2004). Além disso, a posição do feto dentro do útero poderia determinar diferenças no suprimento de nutrientes, ou seja, em leitegadas muito grandes, os fetos localizados no terço médio dos cornos uterinos teriam as menores placentas, consequentemente uma transferência de nutrientes menos eficiente, sendo, portanto, os menores da leitegada (Dziuk, 1985). Como a nutrição é o principal fator ambiental intra-uterino que altera a expressão do genoma fetal, o presente artigo tem como objetivo abordar alguns aspectos do manejo nutricional da porca durante a gestação no intuito de se obter leitegadas mais uniformes na fêmea suína contemporânea.
CRESCIMENTO INTRA-UTERINO RETARDADO (CIUR) - CIUR pode ser definido como a redução no crescimento e desenvolvimento de embriões e fetos de mamíferos ou de seus órgãos durante a gestação. Os pesos fetal, relativo à idade gestacional, ou ao nascimento podem ser usados como um critério prático para se detectar o CIUR, visto que podem ser facilmente medidos nas granjas. Apesar do crescimento e desenvolvimento fetais serem guiados pelo genoma, a regulação genética do crescimento fetal é influenciada pelo ambiente intra-uterino no qual o feto cresce (Martin-Gronert & Ozanne, 2006). Portanto, qualquer anormalidade no ambiente intra-uterino poderá alterar a expressão do genoma fetal, prejudicando o crescimento do feto, e deixar sequelas irreversíveis no indivíduo. Este fenômeno é denominado programação pré-natal. Fatores múltiplos (e.g. genéticos, epigenéticos e ambientais) regulam o crescimento do concepto e contribuem para o CIUR. Entretanto, capacidade uterina insuficiente e nutrição materna inadequada são os dois principais fatores que impedem o crescimento fetal (Wu et al., 2006). A nutrição materna fornece uma previsão para o feto sobre o ambiente nutricional que irá encontrar após o nascimento (Martin-Gronert & Ozanne, 2006). Caso a matriz não seja adequadamente nutrida durante a gestação, o feto sofrerá adaptações que o permitam sobreviver após o nascimento. Dentre estas, o consumo de substratos para o fornecimento de energia seria a resposta imediata. Se a sub-nutrição for prolongada, haverá mudança na taxa metabólica do feto, com alteração da produção hormonal e da sensibilidade dos tecidos a eles. Haverá também armazenamento de nutrientes em forma de gordura e a redistribuição do fluxo sanguíneo para proteger órgãos-chave, tais como o cérebro. Portanto, um animal acometido por CIUR possui órgãos menores, com exceção do cérebro; isto é conhecido como “brain sparing effect” (“efeito de poupar o cérebro”). Assim, uma boa medida para se determinar a existência do CIUR seria a relação entre o peso do cérebro e o peso do fígado. Em animais normais, esta relação é menor que um (Town et al., 2004). A placenta é o órgão que transporta nutrientes, gases respiratórios e os produtos do metabolismo entre as circulações materna e fetal. O desenvolvimento placentário, incluindo o desenvolvimento vascular, é essencial para o crescimento e desenvolvimento fetais (Reynolds et al., 2005). Na verdade, o fluxo sanguíneo útero-placentário é o principal fator que influencia a disponibilidade de nutrientes para o crescimento fetal. Portanto, placentas pouco desenvolvidas podem estar associadas ao CIUR, visto que peso das placentas e o fluxo sanguíneo placentário estão correlacionados ao peso dos fetos (Town et al., 2004). Fatores que estimulam a angiogênese são essenciais para se manter uma boa eficiência placentária e assim garantir um bom desenvolvimento fetal. Neste sentido, investigações têm se direcionado ao estudo da arginina, um substrato para a síntese de óxido nítrico (ON) e poliaminas. Por sua vez, o ON é um importante fator vaso-relaxante que regula o fluxo sanguíneo materno-fetal e, portanto, a transferência de oxigênio da mãe para o feto (Bird et al., 2003). Recentemente, verificou-se que o fluido alantóide dos suínos seria rico em arginina aos 40 dias de gestação e esta abundância nos fluidos fetais estaria relacionada à elevada síntese de ON e poliaminas pela placenta suína durante a primeira metade da gestação, quando seu crescimento é mais rápido (Wu et al., 2005). Evidências mostram que CIUR, além de comprometer a sobrevida do animal, deixa sequelas permanentes que acometem determinados parâmetros zootécnicos tais como conversão alimentar, composição corporal, qualidade da carne e desempenho reprodutivo. Portanto, possui implicações importantes em qualquer sistema de produção animal.
CRESCIMENTO INTRA-UTERINO RETARDADO E A PRODUÇÃO DE SUÍNOS –Entre os animais domésticos, os suínos representam a espécie em que o CIUR ocorre mais severamente (Wu et al., 2006). Antes do 35° dia de gestação, os embriões suínos estão uniformemente distribuídos dentro de cada corno uterino e seus pesos não se diferem consideravelmente dentro de cada leitegada. No entanto, depois do 35° dia, a capacidade uterina torna-se um fator limitante para o crescimento fetal ainda que os fetos estejam distribuídos de forma relativamente uniforme (Bazer et al., 2009). As taxas de fluxo sanguíneo e, consequentemente, o fornecimento de nutrientes para os conceptos depois do 30° dia de gestação, variam muito ao longo do comprimento do útero da fêmea gestante (Père & Etienne, 2000), devido à diferenças na estrutura e na densidade da sua vascularização (Ford et al., 2002). Adicionalmente, o crescimento reduzido dos fetos suínos é exacerbado pela prática dos programas de restrição alimentar (por exemplo, 2,0 kg de ração/dia) na rotina da produção de suínos durante todo o período de gestação, a fim de evitar o ganho de peso da porca (Kim et al., 2009). Em algumas leitegadas, quase todos ou a maioria dos leitões tem baixo peso ao nascimento (menor que 1,10 kg), particularmente quando parte ou a maioria do período de gestação é submetida ao estresse ambiental (por exemplo, extremos de temperatura ou enfermidades). Notavelmente, os principais órgãos envolvidos na digestão e utilização de nutrientes nos leitões pequenos, tais como intestino delgado e músculo esquelético, sofrem estresse oxidativo e são desproporcionalmente menores e menos eficientes em relação às leitegadas mais pesadas (Wang et al., 2008). A restrição do crescimento fetal tem impactos negativos permanentes sobre a fase neonatal até a vida extra-uterina: sobrevivência pré-desmame, crescimento pós-natal, eficiência de utilização de alimentos, saúde ao longo da vida do animal, composição de tecidos corporais (incluindo a proteína, gordura e sais minerais) e qualidade da carne (Wu et al., 2006). A maioria dos leitões com CIUR morrem antes do desmame e aqueles que sobrevivem sofrem atraso de crescimento permanente. Em um estudo realizado entre 2003 e 2009, Wu et al. (2009) observaram que os leitões com CIUR (peso ao nascer menor que 1,10 kg) representaram 76% das mortes prédesmame em suínos.
NUTRIÇÃO MATERNA X CIUR - Estudos das interações entre a nutrição materna e o peso do leitão ao nascimento vêm sendo realizados há muitos anos. Os resultados nos mostram que a desnutrição materna, seja de energia ou de proteína, prejudica o crescimento embrionário/fetal em suínos. Miller et al. (2000) observaram que o aumento no consumo alimentar da porca no final da gestação (duas vezes a energia de mantença; para porcas, a energia de mantença, segundo NRC (1988) é de 460 kJ de energia digestível por kg de peso corporal; período: 100 dias de gestação até o parto) não influenciou o peso ao nascimento dos leitões, as taxas de crescimento ou mortalidade dos mesmos. Concluíram também que o principal benefício do aumento no consumo de ração da porca no fim da gestação foi reduzir a perda de espessura de toucinho durante o ciclo reprodutivo. Os efeitos de diferentes dietas com quantidades extra de ração para marrãs e porcas gestantes sobre o desempenho reprodutivo materno foram testadas por Heyer et al. (2004). Quatro quantidades de ração da mesma dieta foram testadas do dia 25 ao dia 85 de gestação: (1) controle (2,7 kg/dia), (2) adicional de 35% da ração controle, (3) adicional de 70% da ração controle, (4) adicional de 100% da ração controle. Os tratamentos foram fornecidos para marrãs que continuaram como porcas, com a mesma alimentação nas sucessivas paridades. Estes autores observaram que a alimentação extra não influenciou o peso ao nascimento dos leitões, porém resultou em maior número de leitões desmamados por porca, mas não por marrã.
O número de leitões não aumentou do tratamento 2 para os tratamentos 3 e 4. Independentemente dos tratamentos, a variação entre os pesos ao nascimento dentro da leitegada foi similar. Segundo os autores, este fato pode ser explicado pelo efeito da utilização da alimentação extra sobre o desenvolvimento corporal das porcas de primeira parição ou sobre as leitegadas maiores das porcas de segunda parição, mas não sobre pesos mais altos ao nascimento. A carcaça e a qualidade de carne das progênies não foram afetadas pela alimentação materna extra. A redução do consumo de ração em 50% em marrãs por dois ciclos estrais antes da cobertura acarretou na diminuição no peso dos embriões aos 30 dias de gestação (Ashworth, 1991). De maneira semelhante em porcas primíparas, a restrição no consumo de ração em 50%, entre os dias 14 e 21 da lactação imediatamente anterior à cobertura, reduziu o peso dos embriões do sexo masculino e feminino, bem como a sobrevivência dos embriões do sexo feminino aos 30 dias de gestação (Vinsky et al., 2006).
Ainda em marrãs, o peso ao nascimento da leitegada, bem como os pesos do cérebro e do fígado, foi menor quando as marrãs foram alimentadas com uma ração deficiente em proteínas durante a gestação (Pond et al., 1969; Atinmo et al., 1974). Portanto, estes dados sugerem que o crescimento fetal em suínos pode ser severamente influenciado por um desequilíbrio entre os níveis de proteína e energia durante a gestação. Investigações sobre a etiologia daquelas alterações mostraram que em porcas gestantes desnutridas a síntese de ON e poliaminas estaria prejudicada e que uma deficiência protéica na dieta reduziria a disponibilidade de arginina e ornitina no plasma materno e fetal, nos fluidos amniótico e alantóico (Wu et al., 2004; Wu et al., 1998). Portanto, essa redução na síntese de ON e poliaminas poderia explicar a ocorrência de IUGR em resposta a uma desnutrição materna durante a gestação. Conforme mencionado anteriormente, a competição entre os fetos dentro do útero pelos nutrientes na espécie suína também afetaria o crescimento fetal. Estudos recentes em nosso laboratório comprovaram que leitões com peso ao nascimento variando entre 0,8 a 1,2 kg e oriundos de leitegadas formadas por 10 a 15 indivíduos, apresentaram evidências de CIUR. Estas evidências foram comprovadas pelo maior valor das relações entre peso do cérebro e peso dos demais órgãos naqueles animais quando comparados a animais oriundos de leitegadas de tamanhos semelhantes, porém com peso ao nascer de 1,8 a 2,2 kg (Almeida et al., 2009). Vale ressaltar que a nutrição pré-natal e o peso ao nascimento podem ser determinantes para o crescimento do tecido muscular esquelético e, consequentemente, afetar o desempenho pós-natal e as características de carcaça (Bee, 2004; Gondret et al., 2006). Neste sentido, o trabalho de Cerisuelo et al. (2009) relatou que o arraçoamento de porcas gestantes acima das exigências durante o período de formação das fibras musculares secundárias (dias 50 a 90 de gestação) afetou características da fibra muscular (número, tamanho e proporção dos tipos de fibra).
Isto comprova a teoria da “programação fetal do desempenho pós-natal”, relatado por Wu et al. (2004 e Foxcroft et al. (2006) e outros, pelo menos em termos do desenvolvimento do tecido muscular. No entanto, os resultados dos primeiros autores não foram consistentes com a hipótese testada. Morfologicamente, a suplementação extra de ração no terço médio da gestação originou um número menor de fibras musculares, que foram maiores em área. Estas alterações não acarretaram um melhor desempenho pós-natal da progênie, mas afetaram alguns parâmetros relativos à qualidade de carne. Os mecanismos envolvidos neste efeito, e se este é consistente entre outros animais de baixo peso ao nascimento, ainda merecem mais investigações.
CONCLUSÕES - Diante do exposto, podemos concluir que o número alto de nascidos pode originar leitegadas desuniformes. Além disso, a nutrição da matriz nos períodos pré-gestacional e gestacional afeta o desenvolvimento embrionário e fetal, sendo extremamente importante para o nascimento de leitegadas saudáveis, uniformes, que terão um bom desempenho pós-natal e que apresentarão carne de boa qualidade. Portanto, é preciso atentar para a alimentação da matriz, principalmente na primeira metade da gestação, onde o desenvolvimento placentário é mais rápido. Por outro lado, as fêmeas de alta prolificidade merecem atenção quanto à nutrição, visto que um número de fetos maior que a fêmea seja capaz de manter vivos até o parto poderá aumentar a competição entre os fetos por nutrientes, resultando em leitões mais leves ao parto. Estas fêmeas deverão ser alimentadas segundo as exigências nutricionais para a linhagem e, se possível, procurar fracionar a quantidade total oferecida em pelo menos duas vezes. Esta prática poderá ser de grande valia para se evitar que a fêmea entre em estado de catabolismo e utilize suas reservas corporais, fazendo com que a transferência de nutrientes aos fetos seja prejudicada.
Por Fernanda Radicchi Campos L. de Almeida (Professora - Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG)
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