sexta-feira, 29 de abril de 2011

Comportamento de Bovinos em Pastejo

A prática extrativista de produção de bovinos utilizando a pastagem tem sido abandonada e substituída por manejos intensivos que consideram a melhoria da oferta de forragem, a fim de permitir aumentos nas taxas de lotação animal. Neste contexto, o entendimento das preferências e hábitos de pastejo dos bovinos torna-se relevante em busca da maximização da utilização das pastagens.
Desta forma, este artigo discorre alguns dos pontos importantes do hábito de alimentação e da interação dos bovinos com o ambiente pastagem.

Introdução
Nos últimos anos têm ocorrido mudanças significativas sobre os conceitos da produção animal em pastagens. Modelos que preconizavam máximas produtividades, baseados quase em sua totalidade em elevadas doses de fertilizantes e com uso muitas vezes inconsequente de irrigação, denominados de “produção intensiva”, vêm sendo questionados e até substituídos por outras modalidades de exploração baseadas no melhor entendimento das relações planta-animal na pastagem. 
Para Carvalho (2005), o conceito de “intensificação” é um processo complexo e dinâmico, altamente dependente da compreensão e entendimento da interação das respostas de plantas e animais no ecossistema pastagem.
Dessa forma, uma reformulação dos conceitos relativos à condução de sistemas de produção animal em pastagens faz-se necessária, de modo que o manejo da pastagem deve ser encarado como a ação de criar ambientes pastoris adequados que aperfeiçoem o consumo de nutrientes pelos animais em pastejo (Carvalho e Moraes, 2005). 
Assim, ao assumir que as pastagens devem ser consideradas como uma população de perfilhos em processo contínuo de produção que pode ser acelerado pela desfolhação da planta e conseqüente melhoria do ambiente luminoso na base do dossel. O conhecimento dos animais, suas necessidades e preferências na busca e colheita do alimento nas pastagens é ponto-chave para a perenidade das gramíneas e intensificação dos sistemas de produção.

Análise
As plantas forrageiras, em seu processo evolutivo, desenvolveram mecanismos de resistência e adaptação ao pastejo a fim de assegurar sua sobrevivência. Briske (1996) os classifica como mecanismos de tolerância, que englobam adaptações fisiológicas de curto prazo, como a alocação preferencial de carbono para os meristemas apicais de perfilhos com o objetivo de maximizar o aparecimento e alongamento de novas folhas, e os mecanismos de escape, que envolvem adaptações morfológicas de médio e longo prazo, como por exemplo, o aumento da área foliar específica, que reduzem a severidade de futuras desfolhações.
As pastagens tropicais existentes no Brasil têm uma distribuição heterogênea no que condiz a quantidade e qualidade de forragem disponível, ocorrendo ainda grande variação de massa ofertada ao longo da época do ano, o que afeta sensivelmente a qualidade nutricional das plantas forrageiras devido as variações na relação caule:folha e na sua composição bromatológica (Figura 1) . 


Figura 1: Variação qualitativa de forrageiras ao longo do seu ciclo de crescimento e desenvolvimento.
Fonte: Adaptado de Blaser, et al., (1986), apud Oliveira

Laca e Lemaire (2000) denominam essa oferta desigual da parte aérea da forragem ao longo do ano de estrutura do dossel, e suas variações são determinantes para as respostas produtivas de vacas leiteiras em condições de pastejo. 
Em um ambiente de pastagem, as respostas tanto de plantas forrageiras como dos animais em pastejo são condicionadas e determinadas por variações em estrutura e dossel forrageiro (Hodgson e Da Silva, 2002).
Ao pastar, os bovinos tendem a levar a camada superior das plantas que contém mais folha, ou seja, ocorre uma preferência por folhas em detrimento ao caule, essa seletividade ocorre devido ao maior teor de proteína e teores mais baixos de fibra, o que conseqüentemente, proporciona digestibilidade maior das folhas em relação aos caules. Quando o relvado é curto eles compensam com o aumento do tempo de pastejo (Hall, 2002).
O processo de utilização e colheita da forragem pelos animais em pastejo (quantidade e valor nutritivo) é função do entendimento de aspectos relativos à interface planta:animal, característica determinante e condicionadora das relações de causa:efeito entre práticas de manejo do pastejo e desempenho animal. Portanto, o conhecimento da interação entre estrutura do dossel forrageiro e comportamento ingestivo é um passo fundamental a fim de que o manejo do pastejo possa ser considerado dentro de uma realidade de eventos fisiológicos, propiciando que tomadas de decisão sejam amparadas por critérios científicos baseados na forma e função das plantas forrageiras e na maneira pela qual estas influenciam e determinam o consumo de forragem de animais em pastejo (Reis e Da Silva, 2006).
O processo de pastejo adquire ainda um caráter bastante complexo se for considerado que os animais possuem preferências que se manifestam em função das restrições de acesso e oferta de forragem existentes (Da Silva 2006) e que também possuem uma capacidade de aprendizado que os confere uma memória de referência que pode durar cerca de 20 dias (Bailey et al., 1996), além de poderem delegar sensações boas ou ruins a um determinado tipo de forragem (Provenza, 1995) podendo assim evitá-las ou priorizá-las por algum tempo. 
Assim, o animal em pastejo é obrigado a tomar decisões rápidas para colher de forma eficiente a forragem. Em Da Silva (2006) são abordados diversos trabalhos (Laca e Demment, 1996; Gibb, 1998, Ruyle e Dwyer, 1985 e Prache et al., 1998), onde se conclui que essas tomadas de decisões dos animais envolvem um “julgamento” entre custo/benefício na aquisição de forragem, de forma que os mesmos, na tentativa de otimizar a forma de pastejo, elegem uma pequena área (um semicírculo hipotético, ilustrado na figura 2) denominada de estação alimentar, onde os bocados - menores escalas de decisão - são realizados. Ao conjunto de estações alimentares separado de outro conjunto por uma parada na seqüência de pastejo em que o animal normalmente se reorienta para um novo local corresponde a um patch, e um agregado de patches, em uma área contínua onde os animais pastejariam até a interrupção para descanso ou ruminação são denominados sítios de pastejo (Bailey et al., 1996). Este autor ainda determina um campo de pastejo como um agregado de sítios de pastejo delimitados por cercas ou barreiras naturais onde os animais teriam acesso a sombra e água.
Portanto, para lidar com o desafio de se alimentar em ambiente tão complexo, os animais em pastejo se obrigam a tomar inúmeras decisões. Decisões desde escalas em nível de segundos (bocado e estação alimentar (EA), de minutos (patch), de horas (sítio de pastejo - refeição), de dias (tempo diário de pastejo), até escalas em nível de ano, quando já se envolvem interações sociais, reprodutivas, migratórias, dentre outras (Bailey & Provenza, 2008).

Figura 2: Representação esquemática de um animal explorando uma estação alimentar.
Fonte: Stuth (1991) apud Da Silva (2006).

O deslocamento de animais em pastejo, em busca de novas estações alimentares foi muito bem apresentado por Carvalho e Moraes (2005) em condições de baixa e alta oferta forrageira (Figura 3).

Figura 3: Representação esquemática da distribuição de estações alimentares numa pastagem hipotética em situação de elevada (a) e de baixa massa de forragem (b).
 
Fonte: Carvalho & Moraes (2005)

Na Figura 3 ficam nítidos dois patches área de pastagem, caracterizados pela interrupção na seqüência de pastejo. Nos patchs observados na situação de elevada massa de forragem, o número de estações alimentares é menor, devido ao maior tempo de permanência em cada estação alimentar. Pela representação, pode-se verificar a possibilidade de sobreposição de estações alimentares, particularmente em baixas massas de forragem. 
A área das estações alimentares é semelhante em ambas as situações, pois é definida pelo alcance do pescoço e da língua do animal. As estações na pastagem de maior massa são mais escuras, ilustrando a maior concentração de forragem em tais condições, das quais decorre o maior tempo de permanência na estação.
Os animais utilizam padrões de deslocamento diferentes em função da oferta de forragem (Hengeveld 2007 apud. Carvalho et al. 2008)
O hábito de pastejo dos ruminantes condiz de um movimento para “cercar” a forragem com a língua e os dentes incisivos inferiores, prendendo o material no palato superior e em seguida, um movimento de cabeça rompe a forragem. Quando há pouca folha os bovinos compensam pastando por longos períodos e com uma taxa de bocado crescente, podendo chegar a até 70 bocados por minuto (Phillips, 1993). Desse modo, a ingestão diária de forragem é o resultado do produto entre o tempo gasto pelo animal na atividade de pastejo e a taxa de consumo de forragem durante esse período que, por sua vez, é o resultado do produto entre o número de bocados por unidade de tempo (taxa de bocado) e a quantidade de bocado (massa de bocado) (Erlinger et al., 1990 apud Reis e Da Silva, 2006). Sendo a massa de bocado a variável mais importante na determinação do consumo de animais em pastejo e a mais influenciada pela estrutura do dossel forrageiro (Hodgson, 1985).
A ingestão de forragem por bocado é muito sensível a variações estruturais, particularmente em altura de dossel forrageiro (Cosgrove, 1997) e assim, caso ocorra uma redução da massa de bocado, o consumo de matéria seca também será afetado. 
A seletividade ou processo seletivo é a medida de escolha de alimento e tem influência sobre o comportamento ingestivo de bovinos em regime de pastejo. A preferência dos animais por determinado alimento é conseqüência de fatores conjuntos, inerentes às plantas (composição químico-bromatológica, morfologia, estágio de maturação e disponibilidade), ao ambiente (clima e solo) e ao manejo adotado. 
Pressões de pastejo mais leves possibilitam aos animais a oportunidade de seleção para composição de suas dietas, favorecendo a escolha por partes mais palatáveis e nutritivas (Oliveira et al., 2007), o que permite aos animais selecionar as folhas em detrimento aos caules. Enquanto elevadas pressões de pastejo atuam de forma contrária, resultando em consumo de partes menos palatáveis (caules) das forrageiras. Assim, o conhecimento de como a disponibilidade de matéria seca proveniente de folhas verdes varia com o avanço da idade da planta, em diferentes condições de manejo e de ambiente, ao longo do ano, é fator fundamental para obtenção de máxima produção por unidade de área (Barbosa, 1998).

Conclusão
O manejo de pastagens deve ser visto como a construção de estruturas de pasto que favoreçam a colheita de forragem pelo animal em pastejo.
Uma vez que o processo de pastejo se dá em diferentes escalas, cada uma delas com padrões diferentes de comportamento por parte animal, as ações de manejo das pastagens afetam o processo de pastejo diferentemente em cada escala.

Alberto Chambela Neto 

Fonte: IEPEC

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